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Doenças virais em tilápias

Doenças virais em tilápias

Os vírus são agentes patogênicos compostos por material genético (DNA ou RNA) contido dentro de partículas orgânicas ou cápsulas/membranas proteicas. Os vírus são minúsculos, grande parte com menos de 100 nanômetros (um nanômetro equivale a 0,000001 milímetro). Os vírus não se reproduzem sozinhos. Eles dependem dos processos bioquímicos das células dos animais para replicarem seu material genético e, assim, aumentarem em número. O excesso de partículas virais formadas dentro de uma célula provoca o rompimento da mesma, causando danos e patologias às células, tecidos e órgãos afetados pelos vírus, desencadeando um processo patológico.

Registros de doenças virais em tilápia datam de 1973. Desde então, diversas viroses já foram reportadas tanto em tilápias cultivadas, como em tilápias naturalmente dispersas em ambientes naturais. No entanto, somente com a divulgação em 2014 do primeiro estudo identificando o Vírus da Tilápia do Lago - TiLV como responsável por grande mortalidade em tilápias cultivadas, os pesquisadores voltaram sua atenção para o estudo da ocorrência de doenças virais em tilápia. Muitas doenças virais chegam a causar mortalidades de proporções semelhantes ou até mesmo maiores do que as observadas com o TiLV, porém, na ocasião em que ocorreram, não foram devidamente identificadas e, tampouco, não se contava com a internet e mídias sociais como temos hoje em dia, capaz de fazer as notícias correrem rapidamente.

Clique abaixo e conheça detalhes sobre o TiLV e outras doenças virais que acometem as tilápias.

Tilapia Lake Virus – TiLV
Fam. Orthomyxoviridae; Orthomyxo-like vírus – Espécies afetadas: Sarotherodon galilaeus (uma tilápia nativa em Israel); Tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus); Tilápia Híbrida (O. niloticus x O. aureus).

O vírus TiLV foi diagnosticado a primeira vez em Israel no ano de 2014 em amostras de peixes coletadas em 2011.

Em Israel, mortalidades estranhas e exclusivas de tilápias em fazendas de cultivo com outras espécies e mesmo em lagos naturais já ocorriam em 2009 e, acredita-se que possa ter sido causada pelo TiLV.

O TiLV hoje já foi reportado em mais de 13 países, englobando Ásia (Taipei, Tailândia, Malásia e Filipinas), África (Egito, Uganda e Tanzânia) e América do Sul (Equador, Peru e Colômbia), em tilápias de cultivo e, também, em tilápias de ambientes naturais.

Sinais clínicos da TiLV: anorexia (perda do apetite), natação comprometida, necrose e hemorragia na pele, erosão nas nadadeiras, anemia severa, congestão (vermelhidão) na cabeça e opérculos e abdômen distendido com acúmulo de fluído (ascite). Em um estudo experimental para comprovar a mortalidade acumulada, os números chegaram a 87% em Tilápia do Nilo e 67% em Tilápias vermelhas híbridas. Os registros de mortalidades de tilápia em diversos países devido ao vírus da tilápia do lago (TiLV) deixaram muitos produtores brasileiros preocupados. Mas não há até o momento registros oficiais da presença deste patógeno no Brasil, da mesma forma como não temos registros de outros vírus comumente encontrados em tilápias cultivadas em outros países.

Pesquisadores tailandeses reportaram que o TiLV estava presente em algumas propriedades de produção de alevinos na Tailândia desde 2012. A última importação oficial de material genético de tilápia pelo Brasil ocorreu em 2005, com a introdução de alevinos de tilápia GIFT oriundos da Malásia. Portanto, temos uma janela considerável, de quase sete anos, que pode nos dar um alívio de que o TiLV não foi introduzido no Brasil através da importação oficial de tilápia GIFT feita em 2005. Mas, ainda assim, é importante que o governo e o próprio setor produtivo adotem políticas e práticas que excluam as possibilidades de introdução desse vírus no Brasil, um grande desafio diante da atual globalização do comércio entre os países.

Um patógeno como o VTL pode prejudicar futuras iniciativas de exportação de produtos frescos do Brasil. Os produtores brasileiros podem contar com o suporte dos laboratórios da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para casos suspeitos de TiLV.

Necrose Pancreatica infecciosa – IPNV
Fam. Birnaviridae; Aquabirnaviru – Espécies afetadas: O. mossambicus / O. niloticus.

Esse vírus foi reportado pela primeira vez em 1983 na tilápia de Moçambique (Oreochromis mossambicus) cultivada em Taiwan. Esse vírus causa uma patologia em tilápias conhecida como Necrose Pancreática Infecciosa . Em uma avaliação laboratorial, 25% dos peixes infectados experimentalmente com o IPNV morreram. Em 2018 esse vírus foi identificado como causador de mortalidades de tilápias cultivadas no Quênia e reportado com sendo similar ao vírus que causou a mortalidade em Taiwan.

Sinais clínicos do IPNV: a identificação deve ser feita por meio da metodologia de PCR. Acredita-se que a transmissão desse vírus se dá tanto de forma horizontal como vertical. Nos surtos que afetaram as tilápias em Taiwan, não foi possível determinar os sinais clínicos, uma vez que os peixes tambémapresentavam infecção simultânea por bactérias (Staphylococcus e Streptococcus). Esse é um vírus de distribuição global e infecta diversas espécies de peixes, tanto em ambientes de água doce, como em estuários ou marinhos.

Betanodavírus (VNNV)
Fam. Nodaviridae / Betanodavirus. Espécies afetadas: O. niloticus.

O Betanodavírus é responsável pela Necrose Nervosa Viral (NNV), doença que afeta o sistema nervoso das tilápias. O NVV já foi reportado em mais de 50 espécies de peixes, especialmente peixes marinhos.

O primeiro caso de NNV em tilápia foi reportado em 2009 e ocorreu com pós-larvas de Tilápia-do-Nilo na França. Surtos na Ásia foram reportados em 2015 também com pós-larvas. O vírus pode infectar desde larvas e alevinos até tilápias adultas. Um surto de NNV na Tailândia em 2011 resultou em mortalidades de 90% a 100% da pós-larvas de tilápia.

Sinais clínicos de NNV: lesões nos órgãos relacionados ao sistema nervoso central (cérebro, espinha dorsal, bulbos olfativos e no tecido da retina). Peixes infectados apresentam também distúrbios neurológicos, letargia, natação errática e permanecem flutuando na superfície da água.

Além disso, os peixes geralmente param de comer e ficam com o corpo escurecido. Ao analisar os tecidos, também são observados danos danos aos olhos, espinha dorsal e cérebro. Em alguns episódios de NNV os peixes apresentavam perda de equilíbrio e natação espiralada antes de morrerem. Um relato de 2015 sobre a ocorrência de NNV em pós-larvas de tilápia na Indonésia, descreve a ocorrência de natação errática e manchas negras sobre a pele em alguns animais, embora não tenha sido constatada mortalidade significativa.

Encefalite das pós-larvas de tilápia - TLEV
Fam. Herpeviridae (Herpesvírus) : Pisciherpevirus / Orthoherpevirus. Espécies afetadas: Oreochromis aureus e O. niloticus.

A encefalite da tilápia foi reportada em 2010 em larvas de Oreochromis aureus de Israel. A doença apresenta sinais característicos de natação espiralada. As pós-larvas infectadas também apresentavam escurecimento das nadadeiras e pele. O vírus foi detectado no citoplasma de células cerebrais, o que pode explicar os danos causados ao sistema nervoso central. Alta mortalidade, acima de 90%, também foi observada. A identificação desse vírus nas fazendas de produção de alevinos é de grande importância, especialmente para produtores que coletam cardumes de pós-larvas.

As coletas costumam ocorrer após 3 semanas de estocagem dos reprodutores. Mortes de pós-larvas relacionadas ao TLEV tendem a diminuir após três semanas de vida destas. Desse modo, os produtores acabam não observando sinais clínicos nas pós-larvas coletadas e, mesmo coletando um número extremamente baixo, o problema pode passar despercebido pelos produtores.

A transmissão do TLEV pode ser tanto horizontal (coabitação com outros peixes infectados) como vertical, sendo que fêmeas e machos podem ser portadores do vírus. O TLEV pode afetar outras espécies de tilápias, inclusive a Tilápia-do-Nilo. Esse vírus não é específico das tilápias e também pode afetar outras espécies presentes no mesmo ambiente.

“Spinning tilápia” - Bohle virus (BVI)
Fam. Iridoviridae / Ranavirus. Espécies afetadas: Oreochromis mossambicus.

É um vírus da família Iridoviridae, do gênero Ranavírus, e que foi reportado no ano de 1997 em alevinos de tilápia de Moçambique (O. mossambicus) mantidos em um laboratório na Austrália.

Os peixes apresentaram natação espiralada e rápida (por isso o nome em inglês da doença “Spinning Tilapia”) e o corpo escurecido, além disso foi registrada a mortalidade de 100% dos animais.

Os pesquisadores alimentaram alevinos de barramundi com as larvas de tilápia infectadas com BVI. Barramundi é um peixe carnívoro muito suscetível ao BVI e todos os alevinos morreram em um período de 13 dias após consumirem as pós-larvas de tilápias infectadas. Os rins apresentaram lesões, hemorragia, infiltração de eosinófilos granulares e redução no tamanho dos túbulos renais. Os músculos apresentaram miólises focais e houve deposição de hemosiderina e de melanina no baço.

Necrose infecciosa do Baço e do Rim da tilápia - ISKNV
Necrose infecciosa do Baço e do Rim da tilápia - ISKNV

É um vírus com DNA e que causa uma doença chamada Necrose Infecciosa do Baço e Rins (ISKNV). Esse vírus já foi isolado de diversas espécies de peixes marinhos e também de água doce. Em 2012 esse vírus causou mortalidade de tilápias na ordem de 50% a 75% em um intervalo de dois meses em uma fazenda de produção de tilápia nos EUA. Esse foi o primeiro caso reportado de infecção por ISKNV em tilápias.

Sinais clínicos de ISKNV: as tilápias apresentaram comportamento letárgico e o abdômen distendido com acúmulo de fluído na cavidade abdominal. As brânquias tinham coloração pálida. Foi observada a presença de megalócitos (hemácias de tamanho aumentado e formato anormal) dentro de vasos sanguíneos nas brânquias, rins, baço, fígado e na mucosa intestinal. Um estudo publicado em 2016 revelou a ocorrência da transmissão vertical do ISKNV tanto em Tilápia-do-Nilo como em tilápias vermelhas híbridas. O estudo foi realizado em uma fazenda da Tailândia, onde de quase 350 reprodutores testados, 41% testaram positivo para o vírus. Já as amostras de sêmen analisadas não apresentaram o vírus. No entanto, 2,5% dos ovos fertilizados de Tilápia-do-Nilo estavam infectados. Na tilápia vermelha híbrida, o percentual de ovos infectados chegou a 44%. A transmissão do ISKNV ocorre de maneira vertical, das fêmeas para as pós-larvas através dos óvulos.

Vírus da linfociste
Fam. Iridoviridae : Limphocystivirus.

O único caso reportado desse vírus em tilápia data de 1973, na Uganda e na Tanzânia. O vírus foi encontrado em três espécies nativas de tilápia e outra espécie de ciclídio. Peixes infectados com o vírus da Lymphocysts apresentaram aglomerados de células abaixo da epiderme, que tinham o aspecto de verrugas na nadadeira caudal.

Iridovírus like infection
Espécies afetadas: O. niloticus.

Um estudo reportado em 1994, em Israel, identificou partículas semelhantes à iridovírus em células isoladas do cérebro de tilápias. Alevinos de tilápia mantidos em laboratório, e com menos de 30 dias de idade, apresentaram perda de apetite, escurecimento do corpo e natação espiralada. A mortalidade tinha início por volta do 4º e do 6º dia de vida e um novo pico de mortalidade ocorria próximo ao 14º dia de vida. Outro caso foi registrado no Canadá e reportado em 1998. Tilápias-do-Nilo apresentaram comportamento letárgico, nadando lentamente ou permanecendo paradas no fundo dos tanques.

Os peixes apresentavam abdômen inchado (ascite), olhos saltados, muitas vezes saindo bem para fora da cavidade ocular. As brânquias estavam descoloridas, pálidas e a mandíbula inferior com aspecto de vermelhidão. Os órgãos internos pálidos, em especial o fígado, que também apresentava hemorragia do tipo petequial (pontinhos avermelhados). Os pesquisadores conseguiram identificar partículas virais similares aos iridovírus.

Os sinais clínicos que podem indicar a ocorrência de doenças virais em peixes incluem:

  • Hemorragia no corpo, anemia severa (brânquias ficam extremamente pálidas, quase brancas);
  • Abdômen distendido devido ao acúmulo de fluído que, no caso de viroses, geralmente tem aspecto transparente;
  • Alevinos e juvenis costumam arrastar longos cordões de fezes de coloração branca (diarreia);
  • Corpo escurecido;
  • Natação errática (espiralada ou sem rumo);
  • Letargia e peixes parados no fundo dos tanques.

Virose x Bacteriose

Outros sinais clínicos de viroses se assemelham aos sinais das septicemias bacterianas. Assim, muitos casos de viroses acabam sendo equivocadamente diagnosticados como bacteriose, particularmente pelo fato de serem comuns as co-infecções, e acaba que alguma bactéria está presente e é isolada dos peixes afetados. Muito certamente diversos casos de viroses ocorrem em tilápias cultivadas em diversos países, inclusive no Brasil, sem um completo e definitivo diagnóstico dessas patologias. Na maioria dos países há uma carência de profissionais treinados e de laboratórios equipados para o diagnóstico de doenças virais nos peixes.

Em casos de mortalidade de tilápias, ou de qualquer outra espécie de peixe, onde não é possível isolar ou diagnosticar um agente patogênico (parasitos ou bactérias), e/ou tampouco há indicativos de problemas ambientais ou de manejo, e/ou mesmo quando a terapia com antibióticos ou a aplicação de produtos terapêuticos na água não se demonstra capaz de resolver o problema, o produtor deve suspeitar da ocorrência de virose e notificar algum laboratório de patologia que possa assisti-lo no diagnóstico.

Conheça outros fatos importantes sobre viroses em peixes

  • A dispersão dos vírus no ambiente aquático é menos eficiente do que a transmissão aérea por aerossóis.
  • Diversos parasitos, entre eles alguns crustáceos copepodos, sanguessugas e protozoários foram identificados como sendo vetores de vírus em algumas espécies de peixes.
  • Poucas viroses em peixes são transmitidas sexualmente. No entanto, a transmissão vertical do vírus via óvulo ou espermatozoide contaminado é comum em várias doenças virais nos peixes.
  • Os peixes não são capazes de regular a temperatura corporal (são pecilotérmicos). Dessa forma, a temperatura do corpo é muito próxima da temperatura da água. A temperatura modula a velocidade de multiplicação dos vírus. Em condições de temperaturas extremas na água (muito baixas ou muito altas), a imunidade dos peixes é comprometida e eles possuem menor capacidade de combater uma infecção viral ou mesmo de outros organismos patogênicos.
  • O transporte de peixes (matrizes, ovos, alevinos, etc.) entre regiões, ou mesmo entre países, é a rota mais comum de propagação de doenças virais. O comércio de peixes ornamentais, inclusive com importações, bem como as ocasionais solturas desses peixes em ambientes naturais é outra importante rota de dispersão de viroses.
  • Peixes que migram naturalmente também podem propagar viroses em longas distâncias. Aves predadoras de peixes também podem propagar vírus de uma piscicultura a outra.
  • Alguns vírus que afetam peixes cultivados também estão presentes em populações naturais. Assim, peixes selvagens podem servir de reservatório de alguns vírus que, oportunamente, podem vir a contaminar os estoques de peixes cultivados.

Prevenção de doenças virais

Não há medicamento eficaz para o tratamento de doenças virais em peixes. Dessa forma, a melhor maneira de minimizar os prejuízos devido às viroses é a adoção de práticas preventivas. Confira abaixo algumas dicas:

  • Os produtores de alevinos devem certificar-se de que suas matrizes são livres de vírus ou, pelo menos, resistentes aos vírus mais importantes. Nesse caso, há a necessidade de investir nesses diagnósticos para selecionar as matrizes. Os produtores que recriam e engordam a tilápia devem buscar fontes de alevinos junto a fazendas com plantéis certificados que comprovem que eles estejam livres de vírus.
  • A vacinação é uma prática usada no cultivo comercial de diversas espécies de peixes e pode ajudar na prevenção de doenças virais. No entanto, a vacinação pode não ser 100% eficaz, pois muitos vírus já estão presentes em pós-larvas e pequenos alevinos que ainda não possuem o sistema imunológico adequadamente desenvolvido.
  • Adoção de protocolos de biossegurança, com foco na prevenção da entrada de animais com vírus na propriedade: controle dos alevinos adquiridos; desinfecção de caminhões e tanques de transporte; prevenir o acesso de pássaros migradores que podem ter comido peixes contaminados em outras localidades.
  • Práticas de manejo preventivas para diminuir as infestações por parasitas; uso de ração de alta qualidade nutricional e uso de tecnologia nutricional; manutenção de adequadas condições de qualidade de água.
  • Aumentar a vigilância e o envio de peixes para diagnóstico de vírus - isso permitirá compreender a distribuição do vírus, seus focos de origem e, assim, auxiliar na tomada de medidas para impedir a distribuição desses patógenos para outras regiões, assim como a adoção de medidas para solucionar ou amenizar os problemas na produção.

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